Opinião

60 anos de O Trovador, um Brasil quase inocente

Por João Neutzling Jr
Economista, Bacharel em Direito, Mestre em Educação, Doutorando em Sociologia, Auditor estadual, Professor e pesquisador.
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O ano de 1964 entrou para a história como o ano terrível em que a democracia brasileira no governo João Goulart foi derrubada por um golpe de estado que jogou o País em décadas de violações dos direitos humanos. Mas também, foi o ano de gravação de um dos mais românticos e populares boleros brasileiros: O Trovador!

O bolero originou-se em Cuba, fins do século 19, e se constitui de uma música romântica que mescla elementos de cultura popular local da América Latina com uso intenso de instrumentos de cordas e órgãos. Se fortaleceu muito no México com a pérola Besame Mucho (1941) de Consuelo Velasquez. Lembram da ministra Zélia Cardoso de Mello dançando com Bernardo Cabral no governo Collor em 1990?

Assim, como o Fado é o ritmo musical típico de Portugal, o bolero seria o ritmo musical natural da América hispânica.
No Brasil, se notabilizou na voz de Altemar Dutra (1940-1983). Dutra nasceu em Minas Gerais e logo mudou-se para o Rio de Janeiro onde podia trilhar o caminho do sucesso musical nos anos 1960.

Apresentou-se na Rádio Globo do Rio ao lado do renomado Trio Irakitan, encantando a todos com sua voz de barítono. E logo foi ocupando espaço nas rádios e em shows de auditório como na famosa Rádio Mayrink Veiga.

Produziu, em 1964, sua obra máxima O Trovador, onde em um trecho ele encantava a todos (gravação da EMI-Odeon):

Sonhei que eu era um dia um trovador
Dos velhos tempos que não voltam mais
Cantava assim a toda hora
As mais lindas modinhas
De meu Rio de outrora
(...)
Qual seresteiro ou menestrel do amor
A suspirar sob os balcões em flor
Na noite antiga do meu Rio
Pelas ruas do Rio
Eu passava a cantar novas trovas
Em provas de amor ao luar

Compôs outros sucessos como Sentimental demais, onde cantava:
Sentimental eu sou
Eu sou demais
Eu sei que sou assim
Porque assim ela me faz
As músicas que eu vivo a cantar
Tem um sabor igual
Por isso é que se diz
Como ele é sentimental

Logo foi chamado de rei do bolero brasileiro. Suas gravações eram sempre acompanhas de um coral de vozes femininas e de instrumentistas talentosos com violinos e acordeões.

Chegou a vender mais de 500 mil cópias de seus discos nos primeiros anos de carreira. Apresentava-se em auditórios no País, de norte a sul, sempre com audiência lotada e filas de fãs esperando.

Tornou-se sucesso musical encantando a todos por sua simplicidade, humildade e notável talento. Gravou mais de 30 discos ao longo da carreira.

Gravou um disco imemorável, El bolero se canta así (1966), com o cantor chileno Lucho Gatica. Sucesso absoluto.

Nos anos 1970 conquistou legiões de fãs na América hispânica apresentando-se no México, Colômbia e demais países da região. No início doa anos 1980 conseguiu penetrar no mercado dos EUA, fortalecendo ainda mais sua carreira internacional ao se apresentar para a plateia de origem latina no Carnegie Hall, em Nova Iorque.

Em 1983 se apresentava no clube El Continente, também e Nova Iorque, onde Frank Sinatra costumava cantar, quando um derrame cerebral ceifou sua vida com apenas 43 anos.

Nelson Gonçalves (1919-1998) foi outro músico de irreparável talento que seguia o naipe de Dutra com igual sucesso como se observa em A Volta do Boêmio.

Em tempos de tanta imundície e lixo musical, recordar Altemar Dutra é recordar um Brasil quase inocente. Um tempo que não volta mais.

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